(no subject)
Nov. 7th, 2024 04:03 pm![[personal profile]](https://www.dreamwidth.org/img/silk/identity/user.png)
retirei-me ao meu quarto
a vida andava atribulada
retorquiam alguns
chamando-a de maluca
como se quisessem esconder
a própria esquisitice
a dádiva da vida
é miséria infinda
é melhor ser homem
do que ser pedra?
que mais me resta na terra
a não ser ser homem?
se morresse logo
nada de grande valor se perderia
se vivesse muito
talvez alguém se lembrasse dela
como quem lembra
de uma borboleta
imortalizada num álbum
a verdade é que
quando ouvia
algum som
de fora
cem anos de gravidade quieta
começavam a se mover desconfortavelmente
suas límpidas e custosas
fundações espirituais
que exigem gestos graciosos
e pensamentos puros
são tomadas de assalto
pela lascívia
satisfeita em si mesma
atrever-se-ia a seduzir donzelas?
ela, que nem se olha no espelho
por medo do que pode estar lá
olhando de volta pra ela?
teve ali a primeira lágrima do dia
até então o sal havia sido suor
assistia videos sem prazer
como quem frequenta o teatro
por não haver
outro entretenimento
na cidade
ou como quem usa ópio
ou fuma crack
ou cheira cola
tinha uma pilha de livros
e quando não conseguia
sequer ler um capítulo por dia
percebia
que havia
algo de muito errado
papai lhe dizia
filha
só quero que você seja feliz
e ela respondia
você fez a minha vida inteira miserável
sem nenhum motivo
pra ser feliz
não é preciso nada disso
pediu-me confiança
todas as vezes
que perguntava um por quê? inconveniente
era um engodo
a vergonha e o desespero foram crescendo
venceram até mesmo a muralha emocional
a duras penas construída
com o barro primordial de que Deus fez o homem
se todo esse sofrimento
tivesse tido algum propósito
mas nunca teve
era puro sadismo
fazer alguém sofrer
só porque gosta de vê-la sofrer
era apenas uma criança
não tinha estrutura psicológica pra isso
dez anos passaram
mas podiam ser vinte ou trinta
a cicatriz ainda doía
todo mundo que um dia conheceu
seguiu em frente na vida
só ela que nunca pode
nunca conseguiu
depois de ser
despedaçada
não encontrava alegria em nada
cada dia se sentia mais desgraçada
tinha o direito de se sentir assim?
queria ter ainda alguma obstinação
acordou cedo mas não levantou da cama
não tinha motivo
até agora sentia como se
ainda não tivesse acordado
será que isso é um sonho
a consciência da própria velhice
que chega a passos largos
convidada pela miséria contínua
a consciência da mortalidade
não inspirava sentimentos heróicos
não tinha deveres para com ninguém
nem para consigo mesma
podia abandonar tudo
e ninguém, ninguém
sentiria sua falta
sempre foi assim
uma coisinha desprezada
vagando pela vida
fúnebre
friamente
causando desprezo e indignação
por não se contentar em ser
menos que gente
ao amor desprezado
veio juntar-se o orgulho ferido
não havia exagero aqui
tinha um coração demasiado feminil
o "não" doía como
uma sessão diária de açoites
por isso só perguntava
a cada alguns anos
nesse ritmo encontraria alguém
no seu aniversário de duzentos anos
e mesmo assim não poderia casar com ele
por incompatibilidade anatômica
Adeus, senhorita
a vida não é um jogo de xadrez
votei-lhe futuras riquezas
e achasses graça das minhas promessas
compreendi
votei-lhe pobreza
adoração digna de uma deusa
minha vida inútil
para fazeres dela o que quiseres
e nobremente
recusastes
se minha riqueza
e minha pobreza
lhe são indiferentes
o problema não é o Dinheiro
o problema sou eu
a rejeição me força
a olhar pra dentro
e isso é sempre desconfortável
então ao invés de
abrir uma empresa
ou estudar pra ser monge
foi necessário primeiro
fazer terapia
porque esqueci em algum ponto
quem sou
e preciso novamente
me tornar quem eu sou
dizer adeus
ao pai morto que me tortura dentro de mim
à mãe moribunda que me mantém cativo
que se não me livrar deles agora
vou me livrar deles quando?
imagens mentais resistem à ausências
alguém que é capaz de amar a distância
é capaz também de profundos e pervasivos traumas
é mais fácil amar o distante do que o próximo
mas como não tinha nenhum experiência com o amor
comecei amando a Deusa Venus
que é fácil de amar
basta ser sua escrava
talvez amando uma deusa por algum tempo
aprendesse a amar a deusa que há em cada mulher
ou pelo menos em uma mulher em particular
já estaria de bom tamanho
mas que mulher seria essa?
onde se esconderia?
já procurou em toda parte
exceto no
espelho
***
a vida andava atribulada
retorquiam alguns
chamando-a de maluca
como se quisessem esconder
a própria esquisitice
a dádiva da vida
é miséria infinda
é melhor ser homem
do que ser pedra?
que mais me resta na terra
a não ser ser homem?
se morresse logo
nada de grande valor se perderia
se vivesse muito
talvez alguém se lembrasse dela
como quem lembra
de uma borboleta
imortalizada num álbum
a verdade é que
quando ouvia
algum som
de fora
cem anos de gravidade quieta
começavam a se mover desconfortavelmente
suas límpidas e custosas
fundações espirituais
que exigem gestos graciosos
e pensamentos puros
são tomadas de assalto
pela lascívia
satisfeita em si mesma
atrever-se-ia a seduzir donzelas?
ela, que nem se olha no espelho
por medo do que pode estar lá
olhando de volta pra ela?
teve ali a primeira lágrima do dia
até então o sal havia sido suor
assistia videos sem prazer
como quem frequenta o teatro
por não haver
outro entretenimento
na cidade
ou como quem usa ópio
ou fuma crack
ou cheira cola
tinha uma pilha de livros
e quando não conseguia
sequer ler um capítulo por dia
percebia
que havia
algo de muito errado
papai lhe dizia
filha
só quero que você seja feliz
e ela respondia
você fez a minha vida inteira miserável
sem nenhum motivo
pra ser feliz
não é preciso nada disso
pediu-me confiança
todas as vezes
que perguntava um por quê? inconveniente
era um engodo
a vergonha e o desespero foram crescendo
venceram até mesmo a muralha emocional
a duras penas construída
com o barro primordial de que Deus fez o homem
se todo esse sofrimento
tivesse tido algum propósito
mas nunca teve
era puro sadismo
fazer alguém sofrer
só porque gosta de vê-la sofrer
era apenas uma criança
não tinha estrutura psicológica pra isso
dez anos passaram
mas podiam ser vinte ou trinta
a cicatriz ainda doía
todo mundo que um dia conheceu
seguiu em frente na vida
só ela que nunca pode
nunca conseguiu
depois de ser
despedaçada
não encontrava alegria em nada
cada dia se sentia mais desgraçada
tinha o direito de se sentir assim?
queria ter ainda alguma obstinação
acordou cedo mas não levantou da cama
não tinha motivo
até agora sentia como se
ainda não tivesse acordado
será que isso é um sonho
a consciência da própria velhice
que chega a passos largos
convidada pela miséria contínua
a consciência da mortalidade
não inspirava sentimentos heróicos
não tinha deveres para com ninguém
nem para consigo mesma
podia abandonar tudo
e ninguém, ninguém
sentiria sua falta
sempre foi assim
uma coisinha desprezada
vagando pela vida
fúnebre
friamente
causando desprezo e indignação
por não se contentar em ser
menos que gente
ao amor desprezado
veio juntar-se o orgulho ferido
não havia exagero aqui
tinha um coração demasiado feminil
o "não" doía como
uma sessão diária de açoites
por isso só perguntava
a cada alguns anos
nesse ritmo encontraria alguém
no seu aniversário de duzentos anos
e mesmo assim não poderia casar com ele
por incompatibilidade anatômica
Adeus, senhorita
a vida não é um jogo de xadrez
votei-lhe futuras riquezas
e achasses graça das minhas promessas
compreendi
votei-lhe pobreza
adoração digna de uma deusa
minha vida inútil
para fazeres dela o que quiseres
e nobremente
recusastes
se minha riqueza
e minha pobreza
lhe são indiferentes
o problema não é o Dinheiro
o problema sou eu
a rejeição me força
a olhar pra dentro
e isso é sempre desconfortável
então ao invés de
abrir uma empresa
ou estudar pra ser monge
foi necessário primeiro
fazer terapia
porque esqueci em algum ponto
quem sou
e preciso novamente
me tornar quem eu sou
dizer adeus
ao pai morto que me tortura dentro de mim
à mãe moribunda que me mantém cativo
que se não me livrar deles agora
vou me livrar deles quando?
imagens mentais resistem à ausências
alguém que é capaz de amar a distância
é capaz também de profundos e pervasivos traumas
é mais fácil amar o distante do que o próximo
mas como não tinha nenhum experiência com o amor
comecei amando a Deusa Venus
que é fácil de amar
basta ser sua escrava
talvez amando uma deusa por algum tempo
aprendesse a amar a deusa que há em cada mulher
ou pelo menos em uma mulher em particular
já estaria de bom tamanho
mas que mulher seria essa?
onde se esconderia?
já procurou em toda parte
exceto no
espelho
***